Trabalhando com familias e casais: Recursos Terapêuticos
“Atendendo Casais e Famílias: Recursos Terapêuticos”
É um prazer estar aqui, compondo essa mesa, online, nessa modalidade que inauguramos e estamos desenvolvendo novas habilidades e competências ao longo desses últimos meses.
Em resposta a algo extremamente desafiador que convidou a todos a buscarem em seus baús os recursos mais criativos e inusitados ….para continuarmos vivendo e acolher o outro.
Entre esses desafios, nessa manhã, ao me preparar para revisar o material para apresentar, e enviar para a organização do evento, meu computador pifou… e perdi tudo que havia preparado… Word e Power point não têm rascunho…
O quanto essa experiencia de hoje me fez refletir e me deparar com o desafio de ser terapeuta… lidar com o novo, o imponderável, os desconhecidos que nos visitam. Que podem nos assustar, nos paralisar… o quanto buscar saídas e soluções faz parte de nosso dia a dia, seja para nós mesmos , ou para com nossos clientes… UFA! Porque não fiz no papel… tempos modernos! busquei na minha mochila, com meus parcos conhecimentos de informática, e consegui religar… mas não encontrei os arquivos…. e aqui estou… com minha bagagem e meu repertório, para falar dos recursos terapêuticos que emergem no encontro com o outro!
Sabemos que no encontro terapêutico , terapeuta e cliente são co responsáveis pela criação de um contexto colaborador e gerador de novas narrativas . Sabemos que nessa relação, o cliente é o especialista em conteúdo. Ele é quem sabe de suas experiências de vida e suas dores. O terapeuta é o especialista pelo processo, facilitando com que o conteúdo colaborativo ocorra, as transformações se tornem possíveis e novas narrativas possam surgir.
Responsabilidade de estar nesse lugar do terapeuta, sabendo que tudo o que faz , faz a partir de suas experiências , e de suas referências.
Acredito que o principal recurso terapêutico é a pessoa do terapeuta. Sou formadora no Sistemas Humanos, e juntamente com meus colegas e amigos, há 21 anos trabalhamos com a formação de terapeutas de casal e família.
Nosso foco principal, além da mudança de paradigma, é o trabalho artesanal com a pessoa do terapeuta, no seu processo de transformação , no trabalho com sua família de origem , mitos, crenças, mandatos, lealdades invisíveis e visíveis, e a construção conjunta desse novo lugar , que é a “cadeira do terapeuta de família” .
Quando penso minha mochila, e no percurso que fiz para chegar até aqui, e nas ferramentas que fui adquirindo ao longo da vida, penso nos meus primeiros convites a olhar para o outro e cuidar das diferenças com respeito.
Quando nasci, meu pai, medico psiquiatra, era diretor de uma grande instituição do Estado. Por conta de uma questão relacionada a dedicação exclusiva, morávamos nessa instituição.
Nossa casa era grande , e tínhamos vários quartinhos que foram construídos para acolher alguns internos que não tinham famílias, e nos adotaram – e a adoção foi reciproca.
Aprendi com minha mãe que precisava cuidar quando oferecia algo para D Valentina, com a mão direita, para sua mão direita, senão ela ficava “ brava” e não aceitava…Aprendi que Com a Chiara precisava ficar um pouco distante, pois ela não não gostava
de encostar nas coisas , nem nas toalhas para enxugar as mãos, pois podiam conter germes e bactérias.
João Lopes, com suas medalhas e condecorações adquiridas na revolução de 32, mais a estrela de xerife oferecida por meu pai, rondava a casa e nos protegia dos perigos. Achava fascinante as histórias contadas por ele, dos inimigos que nos ameaçavam, e o quanto estava preparado para nos proteger e defender de todos os males. Me sentia protegida!
Aprendi que meu pai precisava descansar depois do almoço,
Aprendi que meu irmão precisava de Nescau na sua gemada,
E eu, precisava estar com todos os lápis apontados para começar a estudar.
Enfim, cada um tinha sua singularidade, e seus cuidados especiais, que precisavam ser acolhidos, escutados e atendidos.
Acredito que essas experiencias vividas e alguns desses aprendizados guiaram as escolhas dos caminhos que fui trilhando para construir meu ser terapeuta , e a pessoa que sou.
Ao cursar psicologia, descobri que algumas daquelas características dos personagens da minha infância tinham nomes , e que eram necessários para um melhor cuidado pelos médicos e demais
profissionais de saúde.
Através dos cursos de formação, da supervisão, trabalhos pessoais, grupos de estudo e educação continuada, dos encontros comigo mesma e com o outro, que é meu cliente, com os alunos terapeutas , fui construindo com mais conforto meu lugar de terapeuta , e ampliando cada vez mais meu repertorio e meus recursos.
A Cadeira do Terapeuta
O que esse lugar me evoca?
Um lugar de ESCUTA
Um lugar sagrado, que oferecemos a nós e ao outro.
Escutar – vem do latim – ausculto , que significa ouvir com atenção.
É o ato de interpretar e assimilar os sons e ruídos captados pela audição.
Segundo Caieiro, “ Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma”.
A complexidade da escuta…
Quem inaugurou em mim esse lugar que me ajuda a distinguir a diferença entre ouvir e escutar ?
Quem me escutou?
Com quem aprendi a escutar?
Como eu escuto, sabendo que o faço a partir de minhas distinções no encontro com o outro?
E que as distinções que faço, emergem a partir de minha história?
O ritmo de cada um… o tempo de cada um… o tempo da respiração.
O tempo da escuta .
Lembro de Tom Andersen, que nos convidava a dançar num ritmo diferente, norueguês de Tromso, reflexivo, delicado.
Tive o privilégio de ser supervisionada por ele , ao vivo, juntamente com a família que estava em atendimento. Eternamente grata pela experiência, e pelas marcas deixadas em minha atuação. Algumas perguntas feitas me acompanham até hoje, ao longo desses quase 30 anos… Viver a experiência de ouvir as vozes da equipe reflexiva, oferecendo as mais diferentes portas, algumas das quais nem sabia que existiam… Minha gratidão.
Um outro recurso que aprendi com Tom Andersen, Karl Thom, Sandra Fedullo Colombo e Janice Rechulski, e procuro mais e mais aprimorar no encontro com o outro, é a arte de fazer perguntas .
Quanto mais ampliamos nossa capacidade de escuta, mais sensíveis nos colocamos para construir as perguntas, que convidam o outro a ver o que não via, olhar para as situações com outras lentes .
Escuta, acolhimento, respeito, ética, sensibilidade, delicadeza, responsabilidade acredito serem alguns atributos esperados nesse lugar.
Genograma, linha do tempo, trabalho com fotos, cartas, material gráfico, argila, música, enfim, alguns instrumentos que fazem parte de meu acervo, que fui selecionando, respeitando o que faz sentido para mim e para o outro, no encontro com o outro.
Quantos recursos foram ativados em nós e no outro, nestes tempos de pandemia?
Construi genogramas on line: Um casal, que mora fora do Brasil há alguns anos. Fomos construindo a partir de objetos que foram encontrando em sua casa, e tinham significados para as famílias de origem. Foram desenhando através do zoom.
Precisamos nos re -inventar, ou melhor, nos inventar!
Dentro de nossos medos, como fomos continentes para as dores do outro?
Terapeutas e clientes vivendo as mesmas angustias, medos, ansiedades e inquietações .
O quanto aprendemos com nossos clientes , que nos ensinaram e permitiram que isso ocorresse.
E permitiram que ocupássemos novos lugares.
As visitas que fizemos em intimidades desconhecidas, deles próprios , e o quanto fomos visitados em nossas intimidades.
O quanto fomos guiados em alguns trechos desse novo caminho.
Como lidamos e estamos lidando com todos as mudanças e os impactos que essa pandemia está nos convidando?
Quais os novos protocolos emocionais ?
Atender on line , na formação junto aos alunos , construindo um novo modelo, dentro do nosso modelo , com equipe reflexiva e interlocuções ao vivo. O quanto nossas fronteiras foram ampliadas…
Flexibilidade acredito que seja outro recurso…
Criatividade, sem dúvida!
Inauguramos um novo formato terapêutico e seguimos inventando.
Espero que algo tenha emergido a partir desse nosso encontro, e contribua para seu ser terapeuta.
Obrigada pela oportunidade de compartilhar um pouco de minha bagagem…
Adriana Fráguas
Mesa Redonda no 14º Congresso Brasileiro de Terapia Familiar