Como compreendo um espaço de aprendizagem para a terapia familiar

Considero fundamental criar um contexto colaborativo, no qual a reciprocidade é a palavra de ordem; a criatividade, a força motora; a hospitalidade gerando um ambiente não competitivo; e uma escuta generosa, que seja oferecida a todos.

Um espaço de intimidade. A autora africana Sobonfu Somé (2003), em seu livro “O Espírito da Intimidade”, nos conta que a intimidade ocorre quando estamos abertos para o espírito, conectados com o outro. Para ela, intimidade se dá quando podemos ser nós mesmos, na presença do outro. Penso que a possibilidade da intimidade ocorre quando permitimos que o outro, como um outro legítimo, apareça para nós. 

Poder pensar dentro do paradigma da pós-modernidade, de acordo com o construcionismo social, oferece um arcabouço teórico para uma noção bastante presente para mim, de que tudo na vida ocorre ao estar em relação com o outro. Um princípio de estar presente para as situações que ocorrem em nossa vida, falando com o outro, e não sobre o outro. Aquilo que John Shotter e Sheila McNamee chamam de presença radical. 

Uma pergunta que com frequência me ocorre é: “quais são as emoções que precisariam estar presentes para possibilitar um espaço de aprendizado colaborativo”?

Sandra Fedullo Colombo (2010) conta que espera encontrar “… uma possibilidade de construir um caminho mobilizado pelo encontro, e não como uma revelação ou um presente mágico, contendo a percepção de que ao caminhar constrói-se o caminho, e que alguns encontros podem mobilizar novos desenvolvimentos” (pg. 174).

Para Humberto Maturana (2002), 

o educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o do outro no espaço de convivência. O educar ocorre, portanto, todo o tempo e de maneira recíproca. Ocorre como uma transformação estrutural contingente com uma história no conviver, e o resultado disso é que as pessoas aprendem a viver de uma maneira que se configura de acordo com o conviver da comunidade em que vivem. (p. 29).

Este autor afirma que a educação se apoia na possibilidade de se tornar capaz de aceitar e respeitar o outro, a partir de um mundo no qual seja possível a aceitação e respeito de si mesmo. Isso só é possível quando há um suporte emocional que o sustente. 

Além disso, é a emoção que define a ação. É a emoção a partir da qual se faz ou se recebe certo fazer que o transforma numa ou noutra ação, ou que o qualifica como um comportamento dessa ou daquela classe. Sustentamos que nós, humanos, existimos na linguagem, e que todo o ser e todos os afazeres humanos ocorrem, portanto, no conversar – que é o entrelaçamento do emocionar com o linguajear. (2004, p.10) 

Sylvia London e Margarita Tarragona (2006), afirmam que a postura pós-moderna e construcionista social enfatiza que a experiência pode ser descrita de muitas formas distintas, que a linguagem é generativa e que a terapia, assim como a aprendizagem, é um processo conversacional. 

Essas autoras ligaram a noção de “não conhecer” proposta por Anderson e Goolishian (1998, 2005), com as ideias de Shotter sobre o “pensar com” e o “pensar sobre” (2005). Elas creem que os dois tipos de conhecimento são úteis, o importante é “o que você faz com o que você sabe” (Anderson, 2004). O que sabemos “sobre” os clientes (ou os alunos) pode ser trazido à conversa e enriquecer o que podemos saber “com” os clientes. 

Isto recorda a ideia de que o enfoque colaborativo é uma postura filosófica que pode ser aplicada na terapia, na supervisão, na consultoria e em treinamentos. É uma maneira de estar em relação com a outra pessoa.

Os objetivos de uma aprendizagem colaborativa incluem: (a) acessar a criatividade e os recursos de todos os membros e fomentar o tipo de entorno no qual que cada participante se sinta cômodo e que faça parte das conversações, e (b) criar espaços e relações nas quais cada pessoa tenha uma sensação de liberdade e pertencimento, e nos quais que todos os participantes possam expressar suas ideias, fazer perguntas e dizer suas preocupações sem sentirem-se julgados.

A diversidade entre os participantes melhora a qualidade e quantidade da aprendizagem que se produz. Cada pessoa traz uma perspectiva diferente quanto à idade e etapa de vida, a experiência pessoal e profissional, o nível e área de educação, a orientação teórica, trabalho e entorno educativo e estilo de aprendizagem ou qualquer outra diversidade. A variedade de vozes pode proporcionar uma riqueza de perspectivas e realidades. 

Assim como um atendimento psicoterápico, o aprendizado colaborativo requer a presença de algumas emoções: acolhimento, pertencimento, inclusão. A empatia, o processo afetivo que possibilita o compartilhamento de emoções e pensamentos íntimos entre dois ou mais indivíduos, que permanecem psiquicamente diferenciados, também é bastante influente. Falar a partir do “ser terapeuta” e não de teoria, técnicas ou tecnologias.

 

BIBLIOGRAFIA

  • ANDERSON, H., GOOLISHIAN, H. O cliente é o especialista. In: Nova Perspectiva Sistêmica, nº 27. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2007.
  • ANDERSON, H. Conversação, Linguagem e Possibilidades: um enfoque pós-moderno da terapia. São Paulo: Roca, 2009.
  • COLOMBO, S.F. Em busca do Sagrado. In: CRUZ, H. M. (org.): Papai, Mamãe, Você… E eu? Conversações terapêuticas em famílias com crianças. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.
  • LONDON, S. & TARRAGONA, M. Terapia Colaborativa y Supervisión en un Hospital Psiquiátrico. In: cap.11, 2006.
  • MATURANA, H. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
  • MCNAMEE, S. & SHOTTER, J. Dialogue, creativity and change https://pubpages.unh.edu/~smcnamee/dialogue_and_transformation/Dialogue,_creativity_and_change.pdf, 2004
  • SOMÉ, S. O Espírito da Intimidade. São Paulo: Odysseus, 2003.

Marcia Zalcman Setton

Saiba um pouco sobre mim

Psicóloga; Terapeuta individual, de casais e famílias; Mestre em Psicologia Clínica pela PUCSP; Sócia e Formadora no Instituto Sistemas Humanos; Supervisora no CEAF; Sócia titular da APTF (Associação Paulista de Terapia Familiar); Membro da Diretoria da APTF; Certificado Internacional de Práticas Colaborativas – Interfaci; atuou como Professora convidada na Universidade Presbiteriana Mackenzie (no curso Lato senso de Psicoterapia Familiar).